“Às vezes penso, às vezes sou.”
(Paul Valéry)
Tenho observado com cautela o comportamento das pessoas e suas atitudes na vida em sociedade. E seja no ambiente corporativo, familiar, político, social, enfim, qualquer seja o meio no qual estejam inseridas, preocupa-me a instabilidade, a ausência de propósitos, a fragilidade das personalidades, perante questões diversas que lhes são impostas.
As pessoas parecem tomadas por um senso de urgência, um imediatismo subserviente, por meio dos quais se manifestam em defesa de interesses de curto prazo, pontuados como se estivessem desconectadas do organismo social.
Políticos fazem alianças historicamente incongruentes em troca de alguns minutos adicionais no horário eleitoral gratuito, relevando a dissonância ideológica e pragmática futura em caso de êxito no pleito. Profissionais travam um verdadeiro jogo de xadrez em suas companhias prejudicando o colega da mesa ao lado em lances ardilosos engendrados nos corredores e nas pausas para o café, em busca de uma pretensa notoriedade que lhes venha conferir uma maior remuneração. Amigos cultivados no decorrer de anos capitulam nos momentos mais críticos, negligenciando ajuda e apoio. Familiares desagregam-se ao primeiro sinal de dificuldade econômica. Pais apregoam a ética a seus filhos, enquanto ultrapassam veículos pelo acostamento no final de semana, tendo-os por testemunhas.
Há uma inversão recorrente dos valores, da ética, da moral, do caráter. As pessoas deixam de ser o que sempre foram e passam a estar o que lhes convém.
Valores
Valores são definidos como normas, princípios, padrões socialmente aceitos. São-nos incutidos desde cedo, fruto do meio social e, quando chancelados pela conduta humana, considerados eticamente adequados. Somos orientados a aceitá-los e evitar questioná-los, acabando cerceados da possibilidade de exercer nossa criatividade, imaginação e livre arbítrio. Como diria Rousseau, “O homem nasce livre e por toda parte encontra-se a ferros”. Se tais parâmetros carecem de concordância, optamos por desrespeitá-los, em vez de alterá-los. Daí advém uma primeira cisão: regras são feitas para serem quebradas; contratos, para serem rompidos.
A moral de um lobo é comer carneiros, como a moral dos carneiros é comer a grama. Este instinto animal tem caracterizado o comportamento humano denotando uma moral dupla: uma que prega, mas não pratica; outra que pratica, mas não prega.
“Não são os princípios que dão grandeza ao homem. É o homem que dá grandeza aos princípios”, disse Confúcio. E é mais fácil lutar por princípios do que aplicá-los. Mas esta é uma luta que deve ser travada todos os dias com paciência e sabedoria, ajustando a palavra à ação, a ação à palavra.
Todo homem toma os limites de seu próprio campo de visão como os limites do mundo. Por isso, esta luta trata-se de litigar paradigmas. Criar e difundir novos. Evitar esmorecer, mesmo sentindo a mente turva. Vivemos sob o mesmo céu, mas nem todos vemos o mesmo horizonte. E quando se tem o horizonte enevoado, é preciso olhar para trás para manter o rumo. A vida, segundo Kierkegaard, só pode ser compreendida olhando-se para trás. Mas só pode ser vivida, olhando-se para frente.
Caráter
Caráter é destino, disse Heráclito de Éfeso. É aquilo que fazemos quando ninguém está olhando. É nossa particularidade, nossa maior intimidade, nosso segredo mais bem guardado. É nosso maior companheiro, maior paixão – e, às vezes, maior fantasma. É construído desde a mais tenra idade, simbolizando nossa maior herança – e nosso maior legado.
Um homem de caráter firme mostra igual semblante em face do bem ou do mal. Preocupa-se mais com seu caráter do que com sua reputação, pois sabe que seu caráter representa aquilo que ele é, enquanto sua reputação, apenas aquilo que os outros pensam. Sua firmeza de propósitos o faz com que opte pela singularidade de seu próprio julgamento.
O caráter testa-se em pequenas coisas. Num olhar, num gesto, numa palavra. Quando queremos saber de que lado sopra o vento atiramos ao ar não uma pedra, mas uma pluma. Há um provérbio dos índios norte-americanos que diz: “Dentro de mim há dois cachorros: um deles é cruel e mau, o outro é muito bom. Os dois estão sempre brigando. O que ganha a briga é aquele que alimento com mais frequência”.
Acredito que as adversidades, além de fortalecerem o caráter, revelam-no. Tornam-no mais tenaz, purificam-no.
Caráter é destino. E o destino é menos uma questão de sorte e mais uma questão de escolha. Não é uma coisa que se espera, mas que se busca. O futuro de um homem está escrito em seu passado.
PS: O texto utiliza frases de Alexander Hamilton, Anatole France, Bertrand Russel, John Wooden, Schopenhauer, Shakespeare e William Bryan.