"Nem sempre podemos construir o futuro para nossa juventude, mas podemos construir nossa juventude para o futuro." (Franklin Roosevelt)
Ministrar aulas era um desejo recorrente. Não que realizar palestras não amainasse meu espírito. Mas o coração sentia a necessidade de um contato mais próximo, estreito e contínuo com a platéia.
Até que surgiu o convite para ocupar uma cadeira numa instituição de ensino superior. Era a oportunidade de realizar o antigo sonho de unir teoria e prática, conhecimento acadêmico e vivência profissional.
Ousado, impus uma única condição: "Quero a última aula da sexta-feira à noite". O Coordenador julgou insólito o pedido, questionando-me o motivo. A resposta: "Porque pretendo concorrer com o boteco que vende a refrescante cerveja, com as cartas do divertido truco e com o cansaço natural que abate a todos quando a semana se finda. Se minha aula tiver quórum será porque estou no caminho certo".
Uma das bases do bom ensino é a disciplina. Não a disciplina autocrática e coercitiva, mas aquela propositiva e construtivista. Meu problema inicial seria não apenas conquistar a ateção e assiduidade dos alunos. Era preciso fazê-los comprar a idéia de que seriam necessários 100 minutos semanais para desenvolvermos junto um trabalho consistente de aprendizado e, para isso, seria imprescindível iniciar a aula às 21h00.
Pensando nisto, acrescentei novos aliados ao apagador e ao giz. Um balde vazio, um balde com água, um copo descartável e uma pequena toalha. Primeiro dia de aula e apresento descontraidamente as "regras do jogo". Entrar na sala após as 21h00: Água! Fumar, beber ou comer durante a aula: Água! Falar ao celular: Água! Ler jornais e revistas ou engatar conversas paralelas: Água!
A palavra "água" assumiu status de signo. Passou a simbolizar ser gentilmente "batizado" com um copo de água entornado na fronte do aluno "infrator". Eu, professor, passei a ser apenas o carrasco deste ritual. Os próprios alunos assumiram o papel de juízes, exigindo punição aos desobedientes ao coro de... "água!".
Mas o ponto alto deste procedimento deu-se na terceira aula de sua aplicação, quando o expediente corria o risco de virar uma grande galhofa, convertendo a proposta disciplinadora em uma ação anarquista. Minha intervenção: "Podemos encarar este rito de duas maneiras. A primeira, é sob a forma lúdica, uma grande brincadeira que leva à descontração e ao riso fácil. A segunda, é sob a forma do aprendizado. Quero que vocês percebam quando levarem "água na cabeça" uma sensação de desconforto, um sentimento de frustração.
Porque na vida real, lá fora, haverá advogados que perderão prazos para recurso, prejudicando irreversivelmente seus clientes. Haverá profissionais de vendas que chegarão tardiamente para uma licitação, desqualificando sua empresa e irremediavelmente levando-a à bancarrota. Haverá executivos que chegarão atrasados a uma reunião com um cliente importante, sepultando as chances de contratação de sua empresa. Em todos estes casos, serão pessoas que, talvez por um único minuto, terão levado "água na cabeça", perdendo receitas, ceifando empregos e comprometendo sua própria auto-estima".
Desde então, tenho a sala cheia, até o final da aula. E cada vez menos alunos precisam levar... "água na cabeça"!