“Há fome de humanidade entre nós.
Por sorte, somos um povo que ainda é capaz de sentir, mudar,
impedir que o desastre se consuma, o suicídio social.”
(Herbert José de Souza - Betinho)
As bandeiras de protesto nós já sabemos quais são. A impunidade, exemplificada pelo interminável julgamento do Mensalão. A corrupção, escancarada pelos gastos com a Copa, que já atingiram R$ 28 bilhões e seguramente superarão a cifra de R$ 40 bilhões até o término do evento. A insegurança galopante, ilustrada pelo aumento em 74% do número de latrocínios na Grande São Paulo, apenas no primeiro quadrimestre deste ano.
Com inflação e juros em alta, economia claudicante e uma nova classe média endividada, os problemas de infraestrutura nunca estiveram tão evidentes. Sistema educacional que priorizou a quantidade em detrimento da qualidade, lançando analfabetos funcionais de baixa produtividade no mercado de trabalho. Saúde em frangalhos, com responsabilidade transferida aos cidadãos e às empresas, que precisam contratar convênio médico privado para fugir da fila do SUS. Sistema de transporte precário, responsável por uma crise de mobilidade urbana que, em São Paulo, engole mais de quatro horas por dia de um trabalhador, prioriza o transporte individual, promove uma velocidade média em horário de pico de apenas 18 km/h e custa R$ 40 bilhões ao ano (segundo cálculos do economista Marcos Cintra de Albuquerque) em decorrência do maior consumo de combustível, do impacto ambiental e do custo de oportunidade do tempo.
Mas nada é pior do que o mau uso do dinheiro público. O governo do DF gastou R$ 2,8 milhões em ingressos distribuídos para o jogo entre Brasil e Japão. A comitiva oficial da presidência da República é formada por um batalhão de 80 pessoas e uma diária em suíte presidencial custou US$ 19 mil, em Nova York, ano passado. Câmara dos Deputados e Senado Federal custam R$ 23 milhões por dia, ou seja, quase R$ 8,5 bilhões por ano, o equivalente ao orçamento de Belo Horizonte.
Coloque de lado os baderneiros interessados em depredar o patrimônio público e privado, com pichações, saques e violência, num ativismo voltado a causar “danos materiais às instituições opressivas”, como se posiciona um certo Black Bloc. Esqueça também a estupidez de militantes partidários que se julgam a reencarnação de Lênin e olvidam que um século depois da Revolução Russa o mundo é outro. Porém, lembre-se de que estes arruaceiros não são necessariamente pobres ou ignorantes, como nos demonstrou o estudante de arquitetura, protagonista da depredação da Prefeitura de SP, preso e liberado, oferecendo um pedido de “desculpas”.
Diferentemente das Diretas Já (1984) e do impeachment de Collor (1992), o que temos agora não é um movimento por uma ação pontual. É um copo que encheu por força da insatisfação com a falta de representatividade política e a má gestão pública e que transbordou com uma gota de 20 centavos.
O fato é que nossa democracia tem sido sequestrada, sordidamente, a cada novo processo eleitoral, cujo jogo é manipulado por um bem estruturado marketing político que conduz o cidadão a um voto passional, anestesiado que fica para comparar propostas, debater e exigir direitos legítimos. Então, o que testemunhamos são promessas cínicas de campanha. Candidatos que prenunciam construir pontes onde não há rios. Pessoas que serão eleitas não pela defesa de argumentos, mas pela venda eficiente de ilusões.
Duas observações finais. Primeiro, estamos diante de um movimento que carece de lideranças, o que apenas espelha outra realidade nacional. Segundo, muitas demandas, demandas diluídas, demanda nenhuma... A maior força é também a maior fragilidade do povo que toma as ruas neste momento. Por isso, é hora de lideranças emergirem, hora de entidades aproveitarem esta insurgência para apresentar e exigir uma pauta mínima para discussão. Minha sugestão:
1. Conclusão do julgamento do Mensalão, mediante força-tarefa do STF para que o processo não se estenda por mais dois anos.
2. Reforma política imediata, a fim de vigorar já nas eleições de 2014, instituindo o voto distrital e criando mecanismos para coibir as legendas de aluguel. Para que servem Eymael e Levy Fidelix?
3. Plebiscito para discussão do sistema de governo, promovendo novo debate sobre o regime parlamentarista, haja vista o desgaste do modelo presidencialista. Desempenho de governo não se mede com base em índices de popularidade.
4. Redução da dívida pública e total transparência dos gastos, sem o uso de subterfúgios do tipo reclassificação de despesas como sigilosas.
5. Reforma tributária, para corrigir as distorções de um sistema irracional que ceifa a competitividade das empresas e do Brasil, onera os mais pobres e alimenta a corrupção.