“Hoje joguei tanta coisa fora. Vi o meu passado passar por mim. Cartas e fotografias de gente que foi embora. A casa fica bem melhor assim”.
(Herbert Vianna)
Feriados têm sido para mim verdadeiras férias para reflexão. Enquanto muitos trilham para as montanhas ou singram para o litoral, enfrentando o trânsito e as filas que parecem migrar das capitais, opto pelo retiro pessoal singularmente vivido em minha própria casa.
Oportunidade para reorganizar o que a velocidade do cotidiano deixou para trás, descubro pilhas de jornais e revistas não lidos.
Diz o adágio popular que não há nada mais velho do que jornal do dia anterior. Mas o fato é que me acostumei a jamais descartar uma página que seja sem antes ao menos folheá-la. É evidente que as notícias de caráter conjuntural, aquelas do dia-a-dia, já nascem velhas, posto que retratam eventos ocorridos. Mas vasculho jornais e revistas em busca de temas estruturais, aqueles sem prazo de validade, e que me trazem conhecimento, conteúdo, base para argumentação.
O problema é que eles se avolumaram. E ganharam status de estorvo. A necessidade auto-imposta de mirar cada uma daquelas centenas de páginas passou a me causar desconforto. De repente, vi-me acorrentado. As horas se passando, o sol se pondo, dia após dia, e eu não aproveitara o frescor da relva, o azul límpido do céu, a companhia de meus filhos. Nem sequer produzira um texto, criara uma idéia, concebera um projeto, relaxara à beira de uma piscina.
Padeço da doença do ecletismo. É complicado quando você aprecia de Economia a Psicologia, de Finanças a Recursos Humanos, de Matemática a Filosofia, de Astronomia a Biologia. Sob esta ótica, feliz é uma de minhas irmãs que sempre se contentou em ler a programação dos cinemas e usar os demais cadernos para forrar gaiola de passarinho...
O mundo produz anualmente o mesmo volume de informações que a humanidade levou 40 mil anos para acumular. Diariamente, quantos jornais podemos ler? Quantas revistas podemos consultar? Quantas e-zines podemos receber? Quantos canais de TV podemos assistir? Qual o custo de acessar informação nesta magnitude, muita dela em duplicidade? E qual sua aplicação prática?
Estamos próximos de uma situação limite. Um bombardeio frenético de informações diante do qual agimos como buracos-negros, absorvendo tudo, mas assimilando pouco. Uma overdose que gera conhecimento superficial e sabedoria reduzida.
Olhando para aquela pilha de revistas percebi que ela representa muito mais. Simboliza a famigerada caixa de entrada de tarefas de nosso cotidiano, especialmente no âmbito profissional, que nunca, jamais se esvaziará. Representa a tendência que temos à burocracia, a inclinação por aspectos operacionais. Fazer, fazer, fazer. Não há espaço para o pensar, o planejar e, até mesmo, o sentir.
Pode parecer supersticioso, cabalístico ou poético, mas numa manhã de um 7 de setembro declarei minha independência. Abdiquei da intenção de adquirir TV via satélite só para ter acesso a canais e programas exclusivos. Cancelei o recurso de confirmação automática de recebimento de e-mails deixando para utilizá-lo apenas quando for realmente imprescindível. Descartei recortes, guias e tablóides, guardados há tempos, sob a expectativa de que seriam, um dia, úteis. E, fundamentalmente, dei de presente ao lixo os jornais e as revistas não lidos.
Neste embalo, revisei roupas e calçados, separando peças negligenciadas no fundo de gavetas e armários e que, agora, ganharão vida no corpo de quem precisa. Reorganizei meus livros encontrando obras preciosas adquiridas por impulso e até hoje não saboreadas. Classifiquei meus CDs e revisitei com prazer canções que nem lembrava mais de que as tinha.
E, assim, senti-me mais leve. É como se eu passasse de tartaruga a águia. Da lentidão à agilidade. Do conformismo à vivacidade.
A missão, agora, é evitar a recaída. Continuar livre, sobrevoando ao alto, decidindo quando voltar à terra, ou seja, qual informação capturar – aquela que me alimentar.