"Se os textos lhes agradam, ótimo. Caso contrário, não continuem, pois a leitura obrigatória é uma coisa tão absurda quanto a felicidade obrigatória."
(Jorge Luis Borges)
Tomei conhecimento a partir de um artigo do excelente Gilberto Dimenstein que 180.000 jovens com formação superior não foram suficientes e capazes para atender à demanda por 872 vagas de estágio e trainee em empresas brasileiras.
Reflexo da crise do nosso modelo educacional, estes números, tabulados no ano passado pela pesquisadora Sofia Esteves do Amaral, indicam o abismo existente entre o que as escolas entregam e o que as empresas solicitam - a qualificação acadêmica está desalinhada da qualificação profissional.
É indiscutível que devemos promover uma "Cruzada pela Educação". Vender a idéia da educação para o Brasil, colocando-a como prioridade ao lado da saúde e da ciência e tecnologia nas discussões orçamentárias e de planejamento estratégico nacional. Criar o conceito de responsabilidade educacional e infligir com a perda do mandato, prefeitos que desviam recursos das salas de aulas para a construção de estradas e outras finalidades que lhes conferem capital político mais imediato. E investir no docente, sua formação e sua remunerção, pois a chave da boa escola é o professor.
Todavia, mesmo diante de toda esta breve argumentação, minha conclusão mais precisa é que o problema da educação está na escola que ficou chata, perdeu a graça, não acompanhou a evolução do mundo moderno. O aluno não vê aula, quando vê, não presta atenção, não se aplica nos deveres de casa e vai mal às provas. Lembra-me aquela máxima marxista: uns fingem que ensinam, outros fingem que aprendem - só esqueceram-se de avisar o mercado desta combinação...
São estes alunos que serão reprovados num simples processo seletivo. E serão eles que, gerenciando companhias ou decidindo empreender um negócio próprio, engordarão as já elevadas estatísticas de insucessos empresariais.
A educação perdeu o sabor. E é curioso constatar isso quando desvendamos que as palavras sabor e souber têm a mesma origem, o verbo latino sapare. O conhecimento é para ser provado, degustado. É como se a cabeça (o estudar) estivesse em plena consonância com o coração (o gostar).
COZINHANDO PALAVRAS
O que me faz avançar madrugada adentro postado diante de uma tela, digitando, com música ao fundo e pensamento ao longe, produzindo artigos como este?
A resposta está no desejo de escrever um texto que traga prazer ao leitor, tal qual o banquete preparado por um cozinheiro aos seus convidados.
Todo escritor tem duas fontes de inspiração: uma musa e outros escritores. Minha musa é o próprio mundo, uma obra de arte, um livro dos mais belos para quem o sabe ler. Já meus "padrinhos" são muitos, são tantos que não posso relacioná-los. Acabariam as laudas, faltaria paciência ao leitor e eu incorreria, invariavelmente, no pecado capital da negligência, deixando de citar nomes por traição da memória.
Rubem Alves é um destes nomes. Vem dele a inspiração desta metáfora que envolve escritores e cozinheiros. Minha cozinha fica numa sala. Minha bancada é uma mesa. Meu fogão é um computador. Minhas panelas são minha cabeça. Meus ingredientes são as palavras. Vou selecionando-as, misturando-as e provando o resultado. Saboreio com os olhos e cuido para que temperos em excesso não acabem com outros sabores.
Há dias em que estou tomado pela culinária italiana. Então, produzo textos encorpados que alimenta a consciência e que pedem uma taça de vinho tinto, cor de sangue, de contestação. Corpo e sangue. - os momentos de questionamento da ordem, este prazer da razão, banhado pela desordem, esta delícia da emoção.
Noutros dias, sinto-me inspirado pela cozinha francesa. É quando me torno econômico no uso dos ingredientes, mas extravagante no uso dos temperos. É quando surgem os textos mais leves na forma e mais profundos no conteúdo, convidando todos a uma demorada reflexão.
E assim sucedem as semanas, os artigos. A cada semana, um prato novo. Alguns nascem naturalmente, demandam pouco tempo de cozimento. Outros, por sua vez, ficam dias no forno. Consomem uma quantidade incrível de palavras. Letras que vêm e que vão. Chegam mesmo a queimar os dedos, mas finalizá-los tem seu propósito ao imaginar a satisfação de quem os lerá, estampada no brilho dos olhos, no sorriso de canto de boca.
Assim entrego-me a este ofício, marchando pitagoricamente com o pé direito para as minhas obrigações e com o pé esquerdo para os meus prazeres, tendo a certeza de que o escrito com esforço será lido com apreciação.
Paul Valéry diz que um homem feliz é aquele que, ao despertar, se reencontra com prazer, se reconhece como aquele que gosta de ser. Saber o que se é e o que se deseja ser: quanto sabor há nisso!