A situação aparentemente é crítica, o sentimento de parte da população, do empresariado e mesmo de parte do político é que a crise se aproxima rapidamente e, por mais que o brasileiro tenha fama de ser descolado em driblar crise econômica, inflação e orçamento baixo, um clima de medo paira no ar.
Sem dúvida, vale ouro o aprendizado de anos convivendo com condições de instabilidade e incerteza. Mas, agora, num cenário mais favorável que tempos atrás, no qual se tem mais estabilidade, aumento de renda e de poder de compra, é importante combater esse clima de desânimo, pois, caso se torne crescente, pode sim levar à recessão. São nos momentos de baixas que as grandes nações mostram que possuem educação financeira e se projetam para crescer.
Portanto, esse é o momento para ajudar os brasileiros a somarem ao seu típico jogo de cintura a educação financeira – conhecimento que pode ajudar a traçar um futuro com mais qualidade de vida, sem, para isso, ter que abrir mão de realizar, no presente, seus sonhos de consumo e sem se tornar inadimplente. Apesar da segurança do Brasil em relação aos efeitos da crise mundial passada, precisamos repensar; é preciso estimular a cultura do planejamento financeiro e, principalmente, o hábito de poupar.
Falar em reserva depois de um momento em que as classes D e E estão em plena ascensão e sentindo, pela primeira vez, o gostinho de ter poder de compra, pode parecer um balde de água fria. Mas não é, especialmente quando se assiste a uma crise global desencadeada por uma série de comportamentos de alto risco de consumidores, agentes financeiros e governos. No Brasil, boa parte da população também tem comportamento de risco: gasta mais do que ganha e paga quando e como pode, sem perceber que os juros corroem suas finanças.
Equilibrar ganhos e gastos para honrar compromissos financeiros, realizar sonhos e planejar um futuro seguro, requer aprendizado, disciplina e uma atitude diferenciada na relação com o dinheiro. Infelizmente, pelo histórico de experiências da sociedade brasileira, lidar com finanças não é um conhecimento de domínio público nem está sendo transferido com eficácia para as novas gerações.
Os reflexos são visíveis a cada novo indicador de endividamento ou inadimplência noticiado. Os indicadores dizem respeito exatamente aos vilões do ciclo de endividamento: as linhas de crédito – limite de cheque especial, cartão de crédito, compras parceladas, empréstimos, etc.
Estima-se que estão em circulação mais de 200 milhões de cartões de crédito e débito, ou seja, mais que toda a população brasileira. Um terço das pessoas não consegue pagar a fatura total do cartão. Dos outros dois terços que conseguem, quase todos têm parcelamentos, que vão de duas a 18 parcelas fixas. Isso significa que praticamente todos os brasileiros estão endividados.
O ciclo do endividamento começa com a compra parcelada – cheque, crediário, cartão. Devido à falta de planejamento, logo se percebe que não vai dar para pagar a fatura do cartão. A tendência, a partir daqui, é buscar alternativas para combater os efeitos e não as causas do problema. Assim, a primeira alternativa, frequentemente, é usar o cheque especial ou pagar a parcela mínima, até chegar ao ponto em que não consegue nem pagar a mínima e o uso do limite do especial ficar extrapolado. A saída mais comum é recorrer a um empréstimo para quitar as dívidas. Com o tempo e novos gastos, a parcela do empréstimo também passa a não caber mais no orçamento e, assim, chega-se a uma situação limitadora, que tem deixado brasileiros adoentados física e mentalmente.
Portanto, combater as causas do que chamo de analfabetismo financeiro funcional é fundamental para as pessoas terem mais qualidade de vida.
Esse combate se faz com ajuda de métodos vivenciais e não puramente acadêmicos, que estimulem mudanças de hábito na forma de administrar o dinheiro que entra e o dinheiro que sai, priorizando os sonhos e não o consumo, como a maioria de nós aprendemos desde criança. Essas mudanças de hábito exigem atitude, disciplina e perseverança e resultam em um novo comportamento com relação ao dinheiro, quebrando o ciclo de gerações de pessoas endividadas e criando uma nova geração de pessoas e famílias equilibradas financeiramente.
Para isso, não há idade para começar. Embora algumas escolas públicas e privadas já adotem metodologias para levar esse conhecimento a crianças e jovens, esse ensino ainda não foi oficializado, há uma lei em trâmite no Senado. Enquanto isso não acontece, nem em escolas nem em outras instâncias, sugiro aos leitores que, antes de qualquer compra, se façam as seguintes perguntas e estimulem amigos a se perguntarem também:
“Eu realmente preciso desse produto? O que ele vai trazer de benefício para a minha vida? Se eu não comprar isso hoje, o que acontecerá? Estou comprando por necessidade real ou estou motivado por outro sentimento, como carência ou baixa autoestima? Estou comprando por mim ou influenciado por outra pessoa ou por propaganda sedutora?” Se, mesmo diante desses questionamentos, concluir que realmente precisa comprar o produto, seria prudente fazer mais algumas perguntas, como “De quanto eu disponho efetivamente para gastar? Tenho o dinheiro para comprar à vista? Precisarei comprar a prazo e pagar juros? Tenho o valor referente a uma parcela, mas o terei daqui a três, seis ou doze meses? Preciso do modelo mais sofisticado ou um básico, mais em conta, atenderia perfeitamente à minha necessidade?”
Essa é uma maneira minimamente responsável de minha parte para ajudar a população a não cair nas armadilhas do crédito fácil e o elevado estímulo ao consumo. Não julgo o mercado publicitário nem os agentes financeiros, esse é o negócio deles e estão fazendo seu trabalho, mas é preciso implementar ações consistentes para conscientizar as pessoas, de diferentes faixas etárias e todos os níveis econômicos, a lidar com dinheiro com consciência. Só assim serão capazes realizar seus sonhos de consumo, garantir uma aposentadoria com renda digna e, por que não, alcançar a autonomia financeira, ou seja, trabalhar por prazer e não por necessidade.